Neste semestre no ateliê falamos sobre transformações, daquelas que vivemos internamente e também daquelas que vemos no mundo a nossa volta.
Duas das tantas perguntas que nos fizemos foram: Podemos transformar aquilo que nos transforma? Como reinventar uma situação?
Nesse processo de pesquisa descobrimos que, além das tantas transformações das quais poderíamos tratar, teria mais uma, inusitada: o ateliê também passaria por uma transformação. Uma reforma, que suspenderá os nossos encontros naquele espaço por três meses a partir de agora.
Portanto, o ateliê que abrigou tantas transformações, também se transformaria daquele jeito e naquela estrutura que conhecemos. E pensando na forma como articulamos nossas vontades e ideias nos nossos grupos, ele se transformaria também naquela relação que estabelecemos, no espaço que criamos e usamos esse tempo todo para os nossos encontros.
Em junho, criamos uma exposição semestral sobre o processo de trabalho das crianças no ateliê e para essa ideia, muitas conexões foram se fazendo. Percebemos como tudo aquilo que foi criado naquele espaço se revelou como uma espécie de rituais de transformação, daqueles que crianças, artistas e gente muito sabida costuma saber fazer.
Para a exposição, que aconteceu no penúltimo sábado de junho, resolvemos então fazer uma ação artística sobre o que vivemos nesse tempo de ateliê.
Dentre as várias experiências feitas ao longo desse semestre pesquisando o tema, convidamos pais e visitantes para construírem junto com as crianças uma grande Teia (inventada por uma turma de crianças e revivida em vários encontros ao longo do semestre) que saía de um Ninho (também inventado por uma outra turma e revivido muitas vezes) bem no meio do ateliê.
O Ninho e a Teia como propostas coletivas de reinvenção de situações que, transformando o espaço, o indivíduo e o grupo que os constrói, é tido como possibilidade de experimentarmos um novo modo de estar ali, juntos.
Começamos a ação artística com as crianças construindo o Ninho: um círculo de cadeiras envoltas em um grande pano de algodão cru que vai sendo preenchido em seu interior por folhas de papel celofane colorido até se dar por concluído e todos adentrarem ele. Assim que terminam de construí-lo, se juntam para, a partir deste Ninho, criar uma grande Teia: linhas, lãs e barbantes conectados na hora por todo o espaço do ateliê, em tramas que vão se interligando e traçando desenhos por todo o espaço. Nesses dois trabalhos escolhidos, há histórias bonitas de uma construção de bem resolvida, poética e criativa de intimidade, engajamento e conhecimento de si, do outro e do grupo que criou cada um desses trabalhos.
O corpo muda ao se criar, ao se entrar no Ninho, ao se traçar e adentrar a Teia e, por consequência, as relações com o espaço, consigo mesmo e com o grupo criador também.
A Teia é um trabalho que, sempre que foi feito no ateliê ao longo do semestre, começava denso e sério. Que por muitas vezes foi feito em silêncio num combinado espontâneo entre as crianças de manterem a atenção e a concentração, e que nas conexões dos fios que vão se criando pelo espaço vazio do ateliê, vai mudando o humor de quem a executa. Uma criação coletiva e catártica, expressão de uma articulação bem resolvida daquelas crianças que, potentes (pois são transformadoras de situações), a fizeram e refizeram sempre que sentiram a necessidade de compreender de outra forma - a artística - alguma questão trazida pelo grupo ou alguma questão individual de alguém do grupo. Mostrar a Teia, seria um desafio de compartilhar com mais gente algo vivido muitas vezes em situações de compreensão profunda de que algo naquele espaço, por aquele grupo, precisa ser transcendido.
No dia da mostra de artes, a ação artística gerou uma grande instalação, construída por crianças, pais e visitantes da exposição. Foi bonito de ver aquela gente toda participando e criando uma instalação naquele lugar das possibilidades infinitas, que é o ateliê. E só há possibilidades infinitas, porque as pessoas se encontraram ali e toparam juntas reinventar uma situação.
Estivemos lá naquela mostra (segundo a minha amiga e parceira Lili me esclareceu), abrindo o lugar onde as nossas experiências acontecem. E o que mais achei importante de uma exposição que nasce da ideia de mostrarmos o processo é que, de tantas experiências vividas no cotidiano do ateliê, tive a impressão de que as meninas e os meninos puderam perceber na prática que compartilhar tudo aquilo com outras pessoas, é contagiante. E que arte é também pra contaminar. Num ateliê com crianças, compartilhar processo pode ser feito de uma forma mais contemplativa para o espectador, mas naquele caso, construir um ambiente propício para tentarmos experimentar com mais gente um pouco da ideia do que pesquisamos por ali, seria mais generoso. E isso tudo acaba entrando em sintonia com a mesma linguagem da articulação coletiva que procuramos construir nos grupos com as crianças.
Daqui pra frente, que mais e mais gente venha conosco naquele espaço. Porque contaminar e irradiar o que se vive por ali é de uma alegria e de uma sanidade esperançosas nesse mundo cão. As divindades das quais eu falava numa reflexão que escrevi sobre o meu trabalho por lá, nesse dia já começaram a chegar. Divindades-gente, porque depois da exposição desse processo tão bonito e cheio de sentido, fiquei com essa sensação, de que gente junta fazendo arte, é divindade.